Obama fez por merecer o Nobel da Paz
O novo diálogo dos EUA com Cuba é exemplo de "pensar o impensável" e demonstra que o Brasil estava certo ao se aproximar da ilha.
Por Celso Amorim
O que as negociações entre os países membros do Conselho de Segurança mais a Alemanha e o Irã; o clamor dos parlamentos europeus pelo reconhecimento do Estado da Palestina; e o restabelecimento dos contatos diplomáticos formais entre os Estados Unidos e Cuba têm em comum? Resposta: todas essas ações vão no mesmo sentido de iniciativas diplomáticas dos governos Lula e Dilma, duramente criticadas pela mídia brasileira.
Desnecessário recordar a ira com que foi recebida a Declaração de Teerã, erradamente vista como um gesto de complacência com o regime dos aiatolás e de contestação a Washington. O reconhecimento do Estado Palestino, em um momento em que as negociações de paz estavam paralisadas em decorrência da decisão israelense de permitir novas construções em Jerusalém Oriental, foi vista por muitos como evidência de atitude hostil a Israel.
Críticas semelhantes foram levantadas em relação às medidas de aproximação com Cuba, especialmente ao financiamento à construção do porto de Mariel. Poucos perceberam, até muito recentemente, que, além de colocar as empresas brasileiras em posição vantajosa, no momento em que a economia cubana se abrisse de verdade para o mundo, ajudar Havana a ter um porto de grande dimensão era também um incentivo à maior integração da Ilha no comércio internacional.
No final de 2010, fui portador de uma carta do presidente Lula a Raúl Castro, que continha duas mensagens essenciais. Uma delas tratava da globalização econômica: um fenômeno cujos excessos deveriam ser certamente corrigidos, mas um processo em si mesmo inexorável.
O Brasil se declarava disposto a ajudar Cuba a inserir-se de modo positivo na economia mundial. Mariel era parte desse quadro e por essa razão, entre outras, tinha o apoio político do governo brasileiro. Naquele momento de mudanças, o Brasil ofereceu-se também para transmitir sua experiência em programas de apoio à pequena e média empresa, inclusive como forma de amortecer as tensões sociais que poderiam advir da reforma da máquina estatal cubana na direção de um sistema mais voltado para o mercado.
A outra mensagem consistia, em tom respeitoso da soberania cubana, a estimular que o processo de reformas chegasse também ao campo político, especialmente na dimensão relativa ao tratamento dos direitos humanos. Sugeri, na longa conversa que tive com Raúl, que Cuba se abrisse ao diálogo com as instituições ligadas à ONU que se ocupam do tema. Posso dizer que fui ouvido com atenção e interesse pelo presidente cubano.
Curiosamente, nesse contexto, ele tomou a iniciativa de mencionar a situação do cidadão norte-americano Alan Gross, preso por espionagem e cujo julgamento – temia-se – poderia levar à pena capital. Raúl nada propôs de concreto, mas o simples fato de levantar tema tão delicado me pareceu significativo. Haveria ali um convite para algum tipo de mediação (algo que o governo cubano sempre descartou, por considerar que as relações com os Estados Unidos constituíam tema essencialmente bilateral)? Nunca tive a oportunidade de conferir.
O reatamento diplomático entre Washington e Havana, que – esperamos todos – levará ao fim do anacrônico e injusto embargo – tem sido corretamente saudado como um fato histórico, que põe fim ao último resquício da Guerra Fria.
Tanto Barack Obama quanto Raúl Castro merecem ser louvados pela atitude corajosa, que quebrou paradigmas e preconceitos de ambos os lados. Raúl e Obama se tornaram merecedores do Prêmio Nobel da Paz, da mesma forma que outras duplas de estadistas, que contribuíram para a solução pacífica de conflitos aparentemente insuperáveis. Ambos “pensaram o impensável”.
Esperamos que a mesma atitude de engajamento, em vez de confrontação, prevaleça em relação a outras disputas que ameaçam a Paz Mundial, como a relativa ao programa nuclear iraniano e ao conflito árabe israelense.
A propósito das incompreensões em relação a nossas iniciativas, recordo um diálogo que tive com Bill Richardson, ex-governador democrata do Novo México e posteriormente pré-candidato a presidente dos Estados Unidos. Éramos, Richardson e eu, embaixadores junto às Nações Unidas e o Brasil servia como membro não permanente do Conselho de Segurança. Lembrando uma conversa que tivera anos antes com o então Assessor de Segurança Nacional, Tony Lake, disse-lhe que o bom aliado não é o que diz sempre sim, mas aquele que, partindo de valores idênticos ou similares, é capaz de discordar e – dessa forma – contribuir para uma visão mais ampla de determinada situação (na época, 1999, discutíamos o Iraque).
Richardson, a quem não faltava bom humor, por vezes com uma ponta de cinismo, não titubeou: “É, mas eu acho que nós preferimos aqueles que dizem sempre sim”. Muitos dos críticos da atual política externa brasileira prefeririam que disséssemos sempre sim. O que eles não percebem é que, ao agir com independência, sem fugir a seus valores, a diplomacia brasileira ajuda a formar visões que, por vezes – como agora –, se concretizam.
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