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Câmeras corporais ajudam a evitar conflitos?

Policial no trem
A SBB anunciou que ao longo do ano, 100 bodycams serão distribuídas para seus 200 policiais ferroviários. Keystone / Christian Beutler

A partir de setembro, os policiais da Companhia Ferroviária Suíça (SBBLink externo, na sigla em alemão) serão equipados com câmeras corporais. Esses dispositivos devem contribuir para a desescalada de conflitos.

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Com seus planos, a empresa segue um uso semelhante ao do Reino Unido e dos Estados Unidos. Nesses países, a introdução das câmeras corporais foi mais ou menos bem-sucedida, mas levantou questões éticas em relação à transparência e à responsabilidade, como quem pode acessar as filmagens, como elas são armazenadas e compartilhadas.

A SBB aponta como principal razão para a introdução dos aparelhos o aumento das agressões contra seus funcionários e passageiros. “É uma mudança social que nos preocupa”, escreve Moritz Weisskopf, porta-voz da SBB. As “bodycams” são pequenas câmeras que, tipicamente, são fixadas no peito de policiais ou agentes de segurança.

Em um comunicado à imprensa, a SBB anunciou a aquisição de 100 câmeras corporais para 200 policiais de transporte. Durante o serviço, cada equipe terá pelo menos uma em operação.

Foto exibindo o peito de um policial com câmera
Câmera corporal sendo usada por um policial. Keystone / Salvatore Di Nolf

De acordo com a lei suíça, os oficiais devem anunciar verbalmente quando estão gravando. As câmeras corporais emitem um som quando a gravação começa, e uma luz vermelha pisca durante a filmagem. As gravações são armazenadas por 100 dias e, segundo a SBB não podem ser alteradas ou apagadas manualmente.

No Reino Unido, as câmeras estão em uso desde 2006. Na época, foram introduzidas para “acelerar a justiça e neutralizar situações potencialmente violentas”, disse Bernard Hogan-Howe, então chefe de polícia da Polícia Metropolitana de Londres.

A cidade de Nova York foi o primeiro grande organização policial nos EUA a introduzir as chamadas “bodycams” em 2013, após uma decisão judicial que constatou que a polícia estava mirando desproporcionalmente em minorias durante abordagens e revistas. Desde então, as câmeras têm sido amplamente utilizadas em todo o país.

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Policiais em várias partes do globo já utilizam as chamadas câmeras corporais. O que você acha?

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Resultados mistos

A agência AP relataLink externo que pesquisas indicam que o número de reclamações dos cidadãos diminui quando as bodycams estão em uso. Isso pode ser atribuído à conscientização de que tanto as pessoas quanto os policiais estão sendo filmados, escrevem.

Um outro estudo do Instituto Nacional de Polícia dos EUA constatou que as câmeras corporais reforçam a percepção de que os policiais agem de maneira processualmente justa e legítima.

O comandante da polícia de Los Angeles, Steve Lurie, disse à AP em junho de 2023 que as bodycams têm o maior apoio entre seus oficiais. “Acho que é justo dizer que essa é agora a ferramenta favorita de nossos policiais de rua em Los Angeles”, afirmou.

Um estudo da Universidade de Cambridge, que analisou quatro departamentos de polícia britânicos e dois americanos, revelou que as reclamações dos cidadãos e cidadãs contra policiais caíram 93% em 12 meses em comparação ao ano anterior.

Atualmente, na Suíça, duas forças policiais nos cantões de Berna e Zurique implementaram câmeras corporais. A Polícia Cantonal de Berna utiliza bodycams desde 2021. O cantão de Zurique as introduziu em julho deste ano, após a Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique (ZHAW) ter realizado um projeto piloto em 2017 para avaliar os impactos do uso dessas câmeras.

A polícia da cidade de Zurique e a polícia ferroviária participaram do projeto piloto. O estudo comparou pesquisas respondidas por policiais durante turnos em que uma bodycam foi usada com turnos em que ela não foi utilizada.

Os oficiais relataram uma redução na violência física durante os turnos em que as bodycams foram empregadas, embora os resultados não tenham sido estatisticamente significativos.

O estudo conclui que, embora haja indícios de desescalada, não se pode provar que isso deve às câmeras corporais. Durante o projeto piloto, em 12 casos em que uma bodycam estava gravando, foi a pessoa civil que solicitou que a câmera fosse ativada.

Colete de policial na mesa
Para proteger a privacidade das pessoas, apenas policiais ferroviários especializados têm acesso às gravações, afirmou um representante da SBB. Keystone / Christian Beutler

O projeto-piloto da ZHAW também incluiu uma avaliação do Ministério Público de Zurique, que considerou o material gravado valioso para a preservação de provas. As gravações forneceram informações importantes que poderiam ser incluídas na avaliação geral das evidências.

Embora isso represente um desenvolvimento positivo, as câmeras corporais não são uma solução milagrosa, disse Patrick Manzoni, um dos pesquisadores por trás do projeto piloto da ZHAW, em uma entrevistaLink externo à rádio suíça SRF em 14 de agosto.

Evitar armadilhas

As gravações de bodycams têm sido objeto de inúmeras controvérsias em países onde seu uso é amplamente difundido.

No Reino Unido, há sérias reclamações quanto ao uso de bodycams, relata a BBC. As acusações incluem o compartilhamento de filmagens entre oficiais pessoalmente, por meio de aplicativos de mensagens e redes sociais, bem como relatos de que as gravações foram perdidas, apagadas ou não foram registradas como evidências. Isso inclui um caso em que uma mulher alegou ter sido estuprada por um oficial.

Muitos desses casos ganharam destaque internacional. O tiroteio na escola primária Robb em Uvalde, Texas, em 2022, chocou o mundo e atraiu a atenção da mídia.

Principalmente por causa da aparente má conduta do Departamento de Polícia de Uvalde, em que os oficiais foram gravados esperando mais de 70 minutos antes de confrontar o atirador.

Foto de um corredor e um policial no canto
Falta de transparência: As gravações das câmeras corporais feitas durante o tiroteio na Escola Primária Robb, em Uvalde, Texas, só foram divulgadas após dois anos. Keystone

As imagens das câmeras corporais só foram divulgadas no início de agosto deste ano, dois anos após o incidente e após uma ação judicial movida pela Associated Press e outros veículos de comunicação.

Acesso às gravações

A transparência é uma via de mão dupla, afirmou Beat Gerber, da ONG Anistia Internacional Suíça, em uma entrevista à televisão suíça em 14 de agosto. Gerber afirma que a polícia deveria disponibilizar as gravações das câmeras corporais para as pessoas que assim desejarem. Embora a taxa de criminalidade na Suíça seja menor do que em outros países, já houve incidentes em que as gravações de bodycams poderiam ter esclarecido a situação.

Em 2018, Mike Ben Peter, um nigeriano de 39 anos, morreu durante sua prisão, após resistir a um controle de drogas em Lausanne. Seis policiais envolvidos foram acusados duas vezes de homicídio culposo no Tribunal Cantonal de Vaud e duas vezes absolvidos. A acusação tinha apenas seis páginas e descrevia os eventos de forma pouco detalhada. Portanto, não estava claro qual dos seis policiais era acusado de qual ato.

Pessoas protestando na rua.
A acusação contra os policiais no caso de Mike Ben Peter, que morreu sob custódia policial na Suíça, tinha apenas seis páginas e não descrevia o incidente em todos os seus detalhes. Keystone / Jean-Christophe Bott

Na segunda decisão, o tribunal referiu-se a laudos médicos forenses. Segundo esses laudos, não era possível determinar com certeza que Peter morreu em decorrência da intervenção policial e da posição de decúbito ventral em que os policiais o seguraram. Será que uma câmera corporal poderia ter fornecido provas adicionais nessa situação?

22 mil câmeras nos trens

A vigilância de estações ferroviárias e trens na Suíça não é um instrumento novo. Atualmente, há cerca de 2.400 câmeras nas estações e edifícios da SBB. Nos vagões de trem, estão instaladas cerca de 22.300 câmeras.

Policiais no trem
Uma câmera de vigilância em um trem suíço, posicionada acima do freio de emergência. Keystone / Alessandro Della Valle

Em comparação, as 100 bodycams adicionais que serão usadas pela polícia de transporte parecem ser uma gota no oceano. No entanto, segundo SBB, as câmeras corporais não serão usadas como método de vigilância, mas como uma medida de dissuasão contra agressões e como uma ferramenta para a desescalada de conflitos e tensões.

Essa decisão foi tomada principalmente devido ao aumento relatado de agressões contra funcionários e passageiros. “A segurança de nossos clientes e funcionários é nossa maior prioridade”, afirma Weisskopf. “As câmeras corporais contribuem para aumentar a sensação de segurança tanto dos passageiros quanto dos funcionários, além de proteger a polícia ferroviária”.

Pessoa sendo detida na estação de trem.
A SBB aponta o aumento das agressões contra seus funcionários e passageiros como o principal motivo para a introdução das câmeras corporais. Keystone / Christian Beutler

Para garantir a confidencialidade das gravações de vídeo, apenas agentes especializados da polícia ferroviária têm acesso às filmagens. A SBB armazena as gravações em servidores na Suíça e as exclui permanentemente após 100 dias. Isso atende aos requisitos de segurança cibernética da empresa.

A Anistia Internacional argumenta que a polícia não deveria decidir sozinha quando uma câmera deve gravar. Em uma declaração por escrito sobre uma proposta de emenda à Lei policial em 2023, a organização não governamental solicitou uma regulamentação legal que obrigue a polícia a gravar todas as confrontações.

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Contrariando a demanda da Anistia Internacional Suíça, as pessoas não podem exigir acesso às gravações em que aparecem. As pessoas também não podem exigir que não sejam filmadas; essa decisão cabe exclusivamente à polícia ferroviária. “Se as câmeras corporais for usada em uma situação em que a segurança dos funcionários ou passageiros esteja em risco, a segurança das pessoas prevalece sobre o direito à própria imagem”, disse Weisskopf.

Edição: Virginie Mangin

Adaptação: Karleno Bocarro

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